Há onze anos, Iacer Duarte se mudou para o Rio de Janeiro em busca de transformar a vida dele, da esposa e filha; hoje, estuda para atuar em cloud computing
Iacer Duarte é natural das Ilhas de São Tomé e Príncipe, no Golfo da Guiné. Antes de se mudar para o Brasil, ele vivia com a família na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, África. Contudo, queria proporcionar uma qualidade de vida melhor para si mesmo, para a esposa e filha, então, acabou se mudando com elas para o Rio de Janeiro. De acordo com dados do relatório “2011-2020: Uma década de desafios para a imigração e refúgio no Brasil”, produzido pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) junto com o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Universidade de Brasília (UnB), o Brasil possui 1,3 milhão de imigrantes.
Ainda segundo o estudo, em dez anos ocorreu um aumento de 24,4% no número anual de novos imigrantes registrados no Brasil. No geral, a qualidade de vida, assim como a busca por trabalho e segurança, é um dos principais motivadores que impulsionam o fluxo migratório. E, foi justamente pensando na transformação de vida que poderia ser possível, que Iacer e a família vieram para o Brasil, há onze anos.
“Foi uma decisão concertada, bem pensada, difícil e bastante desafiadora. Mesmo assim, minha família recebeu a notícia com naturalidade, pois queríamos condições melhores. Depois de vender alguns pertences e com a ajuda de bons amigos, inclusive brasileiros que moram em Cabo Verde, pegamos um voo direto para Fortaleza e de lá viemos para o Rio”, explica ele que, ao chegar, passou por desafios de adaptação à cultura e aos costumes locais.
Hoje, Iacer trabalha como zelador de um condomínio residencial. Ele conta que, em Cabo Verde, as pessoas são funcionárias públicas, por apadrinhamento, mas que também há muito desemprego. Aqui, ele ocupa parte do tempo estudando. “Eu nunca parei de estudar, sempre gostei de fazer cursos online e fui estudando matérias das disciplinas de matemática e português com leituras e pesquisas. Antes de conhecer a área de Tecnologia e de me tornar zelador, fui auxiliar de logística, auxiliar administrativo, vendedor técnico e auxiliar de almoxarifado.”
Contudo, foi em 2018 que Iacer ouviu falar pela primeira vez na área de Tecnologia, já aqui no Brasil. “Eu assisti a uma reportagem na TV que falava sobre a grande demanda por profissionais qualificados, então me interessei e acreditei que posso ser um profissional da área mesmo com as dificuldades que ela apresenta. Foi quando comecei a fazer os primeiros cursos pagos, bem baratos, indicados por um ex-morador aqui do prédio onde trabalho.”
Segundo o relatório Panorama de Talentos em Tecnologia, realizado pelo Google for Startups com apoio da Abstartups e da Box 1824, até 2025 o Brasil terá um déficit de 530 mil profissionais de tecnologia no período de quatro anos (contando desde 2021). Além disso, de acordo com a pesquisa, existem barreiras regionais que precisam ser levadas em consideração: atualmente, 43% dos profissionais do setor estão concentrados somente no estado de São Paulo. Ainda existem mais obstáculos quando se fala de mulheres e pessoas negras, que são menos incentivados ao longo da jornada. 50% das pessoas entrevistadas para o relatório consideram o mercado de Tecnologia totalmente ou muito homogêneo em relação à raça, classe, religião e gênero, enquanto apenas 15% o consideram totalmente diverso.
“Hoje, passados cinco anos fazendo diversos cursos nas várias tecnologias que existem no mercado, consegui reunir um pouco de bagagem em assuntos gerais”, explica Iacer. Foi por meio de conversas com um também morador do condomínio em que trabalha, considerado um amigo, que o zelador descobriu que não necessariamente precisaria de um curso de ensino superior para atuar com Tecnologia da Informação.
Hoje, Iacer também é aluno da Escola da Nuvem, uma organização social sem fins lucrativos que atua capacitando gratuitamente jovens acima de 16 anos e em situação de vulnerabilidade social para seguir carreiras em cloud computing. “Tive interesse pela proposta diferenciada de passar pelos testes e entrevistas [de seleção para o curso] e para iniciar um projeto de Cloud com chances de empregabilidade muito amplas, o que não vi em outras escolas de tecnologias”, conta.
Na Escola da Nuvem, além de conseguir a certificação de habilidades técnicas em computação em nuvem, o aluno também tem aulas de habilidades comportamentais essenciais para o mercado de trabalho, além de receber suporte para ingressar no mercado de trabalho em vagas de entrada, como trainee ou júnior. “As aulas de autoconhecimento, inteligência emocional, autonomia e protagonismo, competências essenciais para o ambiente de tecnologia, além de conteúdos sobre como otimizar o tempo, comunicação, dentre outros, têm contribuído bastante para termos uma percepção aprofundada [da área de Tecnologia], comenta Iacer Duarte.
Segundo ele, “o engajamento da Escola da Nuvem com os alunos é bastante envolvente e atrativo, pois existe todo um processo de acomodação do aluno, preparo com soft skills, debates e participação ativa dos alunos e professores. Fica um clima bem aconchegante que nos deixa confiantes e motivados, mesmo conscientes das dificuldades que virão.” Iacer acredita que o mercado de Tecnologia no geral seja “bastante promissor, porque o ambiente desse mercado valoriza muito a diversidade, autoconhecimento, trabalho em equipe e treinamentos contínuos com valorização profissional, assim como salários atrativos.”
Pensando no ponto de vista social, o zelador também defende a maior participação das empresas de tecnologia “de modo a dar mais oportunidades de estágios bem remunerados, treinamentos, especializações e mentorias, como forma de motivar alunos a migrarem para área de Tecnologia”, inclusive com convênios com os governos municipais, estaduais e federais. Segundo ele, a participação de pessoas negras na área de Tecnologia “é importante pois contribui para o empoderamento social e econômico, melhora muito a autoestima e a integração na sociedade. Na diversidade podemos contribuir com riqueza de detalhes para as melhorias que precisamos na sociedade, que queremos mais justa, equilibrada e vibrante”, defende Iacer.
O desejo dele para o futuro é que consiga “ser um bom profissional de Tecnologia por poder mudar a história da minha família e por mérito. Quero poder reunir condições de revisitar meus parentes em São Tomé e Cabo Verde”, finaliza ele que, depois de tanto tempo, também se considera um carioca nato. “Tenho cidadania brasileira, gosto de viver aqui, gosto da comida, da cultura, das pessoas e do clima agradável que caracteriza o Rio, com muita praia e sol, sem esquecer a temporada de chuva”, lembra.